Primeiro Arco de Gabrielle: Ato II - Entre Os Grandiosos

-Bom, eu não sou o vassalo mais antigo de Marie, na realidade minha Senhora mantêm Amadeo sempre ao lado direito dela. Assim eu seria de certa forma o segundo vassalo, mas não se engane eu já tive a oportunidade de ter a minha própria vida, inclusive me casei. Mas é uma relação impossível, eu não envelhecia e ela sim, ela adoecia e eu não... Aos poucos eu pude compreender que era necessário escolher naquele momento, pois se eu adentrasse mais a vida entre os cainitas eu seria eternamente dependente do vitae de minha Senhora e se adentrasse a vida ao lado de minha esposa, morreria como mais um. Eu decidi ser alguém especial para ficar ao lado de uma criatura imortal e única... A vida humana é sensível e efêmera, não são todos que se encantam por ela.

Essa era a resposta de Ulisses, o homem seguia dirigindo o carro enquanto se pronunciava, fazendo pequenas pausas para observar o transito e as sinalizações. As palavras eram ditas de forma tranquila sem muitas formalidades ou floreios, você começava a notar agora que finalmente ele conseguia se sentir a vontade ao seu lado. Era uma pequena conquista que amenizava a dor da falha.

Ulisses reagia a suas primeiras palavras com um sorriso gentil na face e pela primeira vez depois de muitos anos de convívio diário entre vocês, ele esticou a mão e tocou em você. Um suave toque com a mão direita no seu joelho esquerdo, dois breves tapinhas que significaram um mundo inteiro de novas possibilidades! Mas ele não verbalizava nenhuma resposta, logo levando as mãos no volante para continuar conduzindo o veículo pelas ruas da cidade.

Mas no momento que você descrevia a sua imagem de Amadeo, Ulisses simplesmente deixava uma risada calorosa e divertida sair dos lábios. Era como se ele tivesse ouvido a melhor piada da vida! Chegando a encostar o carro no primeiro lugar disponível, ele ria até conseguir enfim te responder:

-Gabi você quase me fez bater o carro!

Assim ele então fazia um esforço enorme para se recompor. Até finalmente conseguir:

-Er, bem. Então Gabrielle, Amadeo não parece nem um pouco com essa sua imagem! Ele é o irmão mais novo de Marie, irmão de sangue mesmo. É na realidade ele o herdeiro legal de toda a fortuna da família Medici. Amadeo é um rapaz de cabelos negros, bem magro e jovem a aparência dele não ultrapassa a de alguém no começo da vida adulta.

Já recomposto da pequena crise de risos, Ulisses ligava novamente o carro para seguir com o veículo com bastante cautela e sem muita pressa pelas ruas da cidade em direção ao local. E quando a sua fala terminava, ele prontamente respondia:

-É algo que eu nunca perguntei a nenhum deles, mas a Senhorita Lorena comentou algo sobre o assunto comigo em algumas ocasiões. Não posso falar abertamente, seria bastante descortês, todavia posso dizer que é uma escolha dele. Mas pensa assim, com a idade que ele possuí o homem já não funciona mais durante o dia, tão pouco encontra nutrição em comida... É basicamente o mesmo que Marie e você são.

Quando terminava de falar, Ulisses finalmente estacionava o carro. Vocês havia chegado onde o estúdio pessoal de Salomè ficava. Ulisses então olhava na sua direção e perguntava de forma sincera.

-Você está bem Gabrielle? Há algo que eu possa fazer por ti?

-Um dia eu irei aprender a responder quando você me chamar de fofo. Até lá eu sigo sem saber o que fazer...

Comentava Ulisses unicamente quando você abaixava a sua mão, ele claramente era perfeitamente acostumado com esses sinais de mão de permissões ou negações. Logo ele se virava para ajeitar o sua roupa, ajustando primeiro os ombros da sua camisa de flanela que ficava como sobreposição a cinza, evitando dobras e desalinhamentos.

-Abra os braços. Se chegares amarrotada assim ao encontro de um Toreador de renome, eu estaria jogando minha reputação fora.

Ele então aguardava você obedecer para tomar a liberdade de esticar a sua camisa que ficava por baixo da de manga longa e ajeitar com bastante precisão a sua roupa, é claro que alguns toques diretos ocorriam e você sentia a mão quente do homem. Mas tudo era feito com uma exemplar precisão de alguém que tinha um verdadeiro talento com alfaiataria. Enquanto ajustava as suas roupas o homem dizia:

-Visitá-la sem ser à serviço. Claro, amanhã isso será feito. Agora, vá encontrar com Salomè e a mantenha como uma aliada. Sem erros, okay?!

Ulisses certamente teria dito mais algumas palavras, afinal ele estava com um sorriso alegre na face. Mas o homem respeitava a sua saída do veículo e se contentava com um tchau feito a uma curta distância com a mão direita, para logo partir com o veículo de deixá-la ali em frente a porta de madeira do estúdio de Salomè.

Coube a você então a tarefa de tocar a campainha e não demorava para que a porta fosse aberta pela própria jovem. Ela agora tinha uma aparência muito diferente, na casa de seus dezesseis anos e uma face limpa de maquiagens ou maiores cuidados. Ela exibia uma beleza andrôgena diferente e inebriante. Usando um macacão jeans cheio de manchas de tinta, ela sorria ao vê-la.

-Gabrielle! Que surpresa maravilhosa, venha entre!

Ela sequer esperava a sua resposta, já virando em um rodopio e já caminhando deixando a porta aberta. A sua frente havia uma breve sala que era na realidade uma recepção desativada e uma escadaria de pedra bem antiga que levava direto ao segundo andar. Lá você encontrava mais uma vez a pequena Salomè a sorrir e abrindo os braços ela dizia.

-Bem vinda ao meu Ateliê, aqui eu crio e sou recriada pela arte. Fique a vontade! Mas me diga, quais são os bons ventos que a trazem aqui?

-Me conhecer melhor?

Salomè olhou diretamente para você com um ar curioso e então abriu um sorriso maroto e malicioso na face, levando a mão esquerda ao botão superior direito do macacão, segurando-o como se fosse abrir.

-Com ou sem roupa?

Prontamente ela começava a rir, sem se segurar nem por dois segundos inteiros. Ela gargalhava ao ponto de precisar procurar um lugar pra sentar. Rindo até finalmente parar, a pequena menina então olhou para você mais uma vez.

-Eu fiquei preocupada, pensei que você tinha vindo em nome da Arauto! E eu aqui toda maltrapida e suja de tinta! Enfim, vamos nos conhecer melhor então querida, só não sei muito bem como começar isso!

A pequena moça se colocava de pé quando você chegava perto, seus olhos notavam que as regiões mais sujas eram as próximas a cintura dela, principalmente na parte de trás na região dos glúteos. Salomè sorria de forma carismática e fazia um sinal para você a seguir, ela então parava na frente de três telas que estavam claramente ainda em processo de secagem.

-Veja por você mesma. Mas eu diria que eu gosto de cores e de vida, o vibrante me atraí e me fascina. Me faz desejar profundamente ser viva de nova, é que me me deixa cheia de tesão e inspiração. As cores são fascinantes e a vida um mistério delicioso...

A voz dela era vibrante e alegre, bastante carregada de uma emoção positiva e cativante.

Salomè ria da sua reação, para logo sem seguida balançar a cabeça negativamente e balançar as mãos no ar em uma reação também negativa.

-Não, não. Calma, primeiro nenhuma modelo é apenas uma modelo. Toda face que serve como inspiração é especial, sempre única, nunca mais uma. Entretanto, ela foi uma paixão de verão de tempos atrás. Logo, ela não é a minha musa...

A pequena jovem então cutuca o seu braço e cruza os braços, fazendo uma expressão curiosa.

-Você crê em Deus, Gabrielle? És católica ou luterana?

Salomè se sentava com uma expressão bem tranquila na face, ela cruzava as pernas e as jogava para cima dos jelhos, demonstrando bastante elasticidade ao assumir uma postura similar a posição de lotus.

A mesma chegava a rir baixinho quando você falava sobre a sua mãe e a origem da expressão, para em seguida dizer de maneira direta.

-Não, eu não acredito em absolutamente nada. São contos de fadas, os humanos criam Deuses para se protegerem de suas próprias falhas e para desmerecer o mérito de outros. Não há nada positivo em idolatrar algo que jamais fará algo por ti, eu amo aqueles que eu posso tocar e ver. Minha fé em minhas capacidade e creio que há vida e morte. Simples assim.

Em seguida a pequenina jovem olhou em volta e cruzou os braços.

-Você quer passar a noite aqui? Pois se não pretender querida, sugiro que se apresse! O sol não vai demorar! Mas saiba que meu convite está em aberto, nas suas mãos!

-Você é muito inocente Gabrielle...

Dizia a pequena Salomè que em seguida se colocava de pé e olhava diretamente para você, ela andava então até a sua frente e tocava a sua testa com o indicador dela. Naquele instante ela liberava algo que você não esperava que havia dentro dela, naquele corpo pequeno e lindo, frágil e delicado com uma flor, habitava um ancião poderoso!

-Eu vou cuidar de ti essa noite, querida. Mas peço para que não confunda as coisas, sou eu que posso oferecer a você algo que você nunca sonhou em ter. Eu sou a sua resposta para o teu caminho de volta à Berlim... São os meus braços que irão se abrir para acolhê-la em seu momento de maior necessidade. Por hora, feche os olhos.

Seus olhos estavam totalmente tomados pela presença magnífica e fascinante daquela anciã de sangue poderoso, seus fechavam alegres e confiantes. Não havia medo algum dentro de você apenas a certeza de que ela iria cuidar com carinho de ti. Em seguida seu corpo era tirado do chão pelos braços da menina, ela a carregava no colo como uma mãe faria com sua filha... Seu coração transbordava de saudade de casa e de felicidade por finalmente ter encontrado tanto amor.

[Off: Ultima ação para o final do ato]