King Narrador
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| Assunto: Re: Lucca Cavalieri 6/1/2018, 23:13 | |
| História - Confissão ao Ductus:
(Fragmento de Memórias da noite de 02 de abril de 2007, primeira reunião entre Maya e Lucca na paróquia do Bando)
Caminhando brevemente pela paróquia de Nova Orleans, olhava para os lados de maneira apreensiva. A pergunta de minha Ductus havia sido de fato bem direta e eu não esperava por tal indagação antes do ritual de fato ocorrer, respirando duas vezes com mais profundidade então eu interrompia a caminhada, para então me virar diretamente à Maya e sorrir com brevidade. Apontando enfim para o banco mais próximo do púlpito da Holy Name of Mary Church, ali eu me sentava e aguardava por Maya com um sorriso suave na face.
-Bem, senhorita Reinner. Tens razão em me questionar sobre meu passado e já que seremos irmãos de bando, ainda mais sendo tu minha Ductus e eu teu Sacerdote, não há razões que possam me passar a mente que possam ser consideradas para contornar este tópico. Então, irei contar quem eu sou, ponto a ponto. Espero que tenha tempo e não se entedie totalmente durante esse longuíssimo monólogo...
Faço então uma curtíssima pausa para olhar à Maya e assim que ela concordava com meus termos eu dava início:
-Como podes notar, seja pelo sotaque ou aparência, sou italiano. Nascido e criado na cidade de Milão, sou o primeiro filho de Icardi Cavalieri e por tanto, fui lecionado desde que aprendi a andar, sobre as urgências dos negócios da família, sobre a importância do comércio e como nosso pouco status era fundamental. Afinal, não éramos uma grandiosa família poderosa italiana, mas tínhamos nosso sucesso e poderíamos hoje ser categorizados como burgueses de sucesso, mas não de luxos, infelizmente. Grande parte dos lucros de minha família vinham das rotas comerciais, especialmente após o casamento de meu Pai com uma moça de Pavia, o que nos trouxe um forte domínio sobre o rio Tícino e por consequência no maior da região, chamado de rio pó. Assim sendo, recordo-me de já aos meus oito anos, estar a aprender a navegar pelos rios, fazendo viagens ao lado de meu Pai e convivendo com muito ouro, ganancia e segundas intenções. Logo, amadureci cedo e já aos meus quatorze anos, me vi casado com uma jovem de Gênova. A senhorita Bianca Grimaldi, uma nobre moça de uma família importantíssima e de nobreza, algo que só ocorreu por causa dos lucros assustadores que minha família conquistou junto as rotas dos rios e acabou por investir em mim, o herdeiro. Bianca era tão jovem quanto eu, talvez um pouco mais, sinceramente eu não me recordo precisamente da idade que ela tinha quando casamos, o primeiro sangramento já havia descido e isso era o importante. Enfim, foram anos de muito convívio junto ao mar, Bianca mudou-se para Milão e eu fazia temporadas de alta pesca em Gênova e as de baixa, retornava para casa e tratava dos assuntos de família e coisas assim. Meus pais ainda tiveram mais três filhos, dois rapazes e uma moça.
Fazendo outra curta pausa, olhava na direção da cruz. Era literalmente a primeira vez que eu verbalizava sobre esse período do meu passado diante os ouvidos de alguém além da minha própria família, era um risco alto que eu precisava correr naquele momento.
-Em resumo, pouco convivi com meus irmãos. Eles tinham acesso ao luxo e eu ao trabalho que resultava nesse luxo. Junto de Bianca tive cinco filhos no total, dois infelizmente faleceram bem cedo, ainda infantes. Mas outros sobreviveram, entre eles: Tizio, Azelia e Daniele. Ambos tiveram boas vidas, pude vê-los casar e construírem suas vidas. Tizio me acompanhava, assim como meu velho Pai fez comigo, Azelia vivia ao lado de sua mãe e o caçula, Daniele, que sim é um nome masculino em meu País, tinha os benefícios de um caçula e me esquentava a cabeça com seus excessos e luxurias. Por fim, com anos afinco de trabalho, eu comecei a entender que minha hora estava a chegar. Meu filho já casado passava a ir em meu lugar à Gênoa e eu tinha como viver mais em minha própria cidade, não vou dizer que amei incondicionalmente minha esposa, seria horrível de minha parte dizer isto. Mas houve amor, nosso casamento era uma aliança positiva e não nutríamos animosidades, ela tinha amantes, eu tinha, mas ainda nos deitávamos regularmente e tudo funcionava tranquilamente. Todavia, quando completei meus trinta anos, tive o primeiro encontro com minha Senhora...
Respirando profundamente, agora eu observava diretamente a figura divina cravada na cruz da capela. Falar dela era difícil, muito difícil! E diante de Maya, eu não fingia absolutamente nada, meu desejo central era que a minha Ductus pudesse me ver como o homem que eu era e não apenas um cainita ou membro do clã Giovanni. Não seria o suficiente! Assim, reunindo forças eu começava a parte delicada de minha própria história:
-Lucretia Giovanni, prole de Franco Giovanni. Sexta de seu sangue, um matusalém de poderes verdadeiramente incríveis e que adentrou o abismo, olhou no centro do mesmo e sobreviveu para contar a sua história. Eu sou sua terceira e última prole, os anteriores pertenceram a uma época longínqua e um foi até mesmo executado por traição. Não que isso seja importante agora é claro, mas bem, Lucretia... Ela nunca foi uma mãe para mim, ela era uma Senhora e Tutora. Suas lições eram fortes e complexas para alguém acostumado ao mar e não ao abismo.
Nesse momento, paro novamente minha fala e olho na direção de Maya. Era a vez dela de falar e eu respeitava isso:
-Mas, perdoe-me a intromissão Lucca. Tu pulaste direto para as lições, como ocorreu o teu abraço? Sei que és considerado um antitribu, também possuo informações sobre a fortíssima ligação que tens com o abismo, como tudo isso aconteceu?
A fala de Maya era simples, mas me fazia cruzar os braços em um claro incomodo. Não com ela é claro, mas sim com minhas próprias memórias. E como foi requisitado por minha Ductus, assim seria feito, mas uma vez eu respirava fundo e tomava fôlego para contar sobre minhas origens mais tenebrosas e terríveis.
-Minha Senhora primeiramente me manteve como vassalo por cinco anos, até se convencer de que eu seria ideal para o que ela buscava. Durante nesse período, eu me afastei profundamente de minha família, rumores de minha morte já rondavam minha própria casa e gradativamente eu perdi o contato com as pessoas as quais eu dedicava minha vida. Afinal, sabes como o laço de sangue é forte e gradativamente, era Lucretia a minha única razão de existir... Eu estava determinado a me tornar sua prole e herdeiro, os custos todos me pareciam mínimos e todas as exigências eram aceitas sem pestanejar! Inclusive, a oferta final. A cena de meu abraço ocorreu no Darsena, talvez tu não conheças Milão, mas é o porto onde os canais de Naviglio Pavanese e Naviglio Grande se encontram, atuando como um bolsão de águas profundas e hábeis para a navegação, comércio e outras atividades marítimas. Ali, naquelas águas eu pude ser apresentado a primeira vez ao abismo. Minha Senhora, amarrou uma corda em meus pés, para depois amarrar a outra ponta na própria mão e me atirou para dentro do abismo. Eu ainda era apenas um vassalo! Meus sentidos todos foram devorados, coisas terríveis pareciam se rastejar ao meu arredor e por mais surreal que isso possa parecer, eu me coloquei de pé e de olhos fechados. Aguardei por ela... Para mim, haviam se passado uma eternidade, sinceramente não sei dizer quando tempo eu permaneci imerso ali. Mas quando o puxão veio, eu estava a sair de dentro das águas e meu corpo estava totalmente fragilizado, Lucretia então rasgou meus pulsos e calcanhares, deixando-me sangrar sobre a superfície do Darsena e quando a hora chegou, a mortalha se abriu ao nosso arredor, ela adentrou as águas e ali mesmo me abraçou. Dentro da mortalha, junto das águas de minha terra natal, enquanto me fazia ter visões do próprio sudário... Ela não só rompeu com a minha vida, ela também rompeu a minha humanidade. As primeiras noites na realidade, foi um verdadeiro desafio encontrar um fio de sanidade dentro daquela situação complexa. Ela então me lecionou a não temer absolutamente nada, eu havia sido abraçado para ser grandioso, um líder das sombras e um herdeiro de um poderoso legado. Não havia espaço para a humanidade ou a ingenuidade de outrora, era chegada a hora de ser um cainita de renome.
Enfim, me coloco de pé e caminho até o púlpito, colocando a mão sobre o mesmo e abrindo um pequeno sorriso. Afinal, eu senti saudades de Lucretia, muito mais do que havia notado até poder finalmente verbalizar o assunto outra vez.
-Haviam fortíssimos momentos de estresse e nervosismo, as lições envolviam coisas difíceis e situações traumáticas, as vezes me faltava concentração e minha Senhora me ajudava a aliviar essas frustrações e necessidades, não é algo muito ortodoxo é claro, eu sei disso. Mas era como ocorria, ela me visitava em meu próprio quarto e me trazia alivio para que as lições pudessem prosseguir. Era algo puramente carnal e nós sabíamos disso, por tanto, nada além desses encontros ocorriam. Fomos Senhora e Prole e eu me orgulhava muito disso, muito mesmo. E bem, naturalmente fui apresentado ao Sabá de Milão e em janeiro de 1854 pude fazer parte de um tradicional bando local após desafiar o antigo sacerdote deles para um duelo. Ao derrota-lo, adentrei ao bando de Adriana de La Cruz, minha eterna amiga e querida grande Ductus, que hoje dorme em total segurança. Marcella di Farncesco, uma cativante Lasombra que foi a protagonista para o final do bando, uma amiga queridíssima que eu respeito e amo. Agamennone Miccio, o justíssimo Salubri que eu aprendi a respeitar e bem querer, assim como as figuras não muito simpáticas de Tancredi Serrato, um sorrateiro e corrosivo Nosferatu, o Luppus Romanus chamado Timoteo Scimone e por fim, a figura difícil e complexa de Giadero Biele, um homem que nunca lidou bem com a minha presença no bando e constantemente me desafiava de mil maneiras. O bando, no entanto, funcionava perfeitamente sob a tutela de nossa amada Ductus, espero sinceramente poder revê-la em breve, doce Adriana... Enfim, nós atuamos em Milão até 1919, quando a guerra explodiu. Aqui eu devo fazer uma curta pausa e contar com mais calma.
Assim eu o fazia, parava de falar e voltava até Maya, para me ajoelhar em sua frente, colocando minhas duas mãos sobre minhas coxas e focando meus olhos no dela. Era esse o mais delicado dos assuntos e muitos falavam sobre a queda de Milão para a Camarilla, mas só quem viveu essa queda realmente sabe contar e eu, ao contrário de muitos pulhas e mal-intencionados, estava lá!
-Só para você possa entender perfeitamente. Em julho de 1880 eu fui desafiado pela filha mais velha de Giadero, uma jovem a oito passos de Caim que seguia a trilha da humanidade e era uma adorável jovem. Fora o próprio Senhor que tentou provar que eu era um fraco e corrompível sacerdote, o duelo infelizmente ocorreu e eu amarantei a jovem. Mas algo único ocorreu, ela não foi simplesmente obliterada da realidade, ela ainda vive dentro de mim e aos poucos começou a me mudar. Eu pude sentir o retorno dos meus sentimentos, minha humanidade retornava timidamente após a Lasombra ter se tornado parte de mim, isso não só me trouxe mais perto da vida, quanto me fez compreender o abismo de uma maneira diferente. Eu não mais seria seu comandante e sim seu navegante... Essa mudança só cresceu com o passar dos anos e minha Ductus me ajudou muito com isso, devo admitir. Porém, quando a guerra de fato se desenhou, Marcella me convidou para uma conversa a sós. Ali ela explicou que a própria Senhora e Mãe dela estava na linha de frente das forças inimigas e me implorou para que nós não fossemos parte da guerra, pois ela não seria capaz de enfrentar a própria mãe ou vê-la morrer, ela queria ajuda-la! Diante deste pedido, eu pude me lembrar dos meus filhos e do quanto eu amei a minha própria Mãe. Não caberia a mim impor esta dor a uma pessoa tão querida, por tanto, com isso em mente, convoquei uma reunião do bando e expliquei a situação, deixando claro que não iria me aliar a Camarilla, mas que para o bem de todos, seria necessário que o bando se rompesse. Nossa Ductus me apoiou, para na noite seguinte cair em torpor. Giadero acabou por ser destruído por sua prole mais nova em uma vingança pelos erros dele, a outra fatalidade foi a morte de Agamennone que se manteve junto ao Sabá e junto deste caiu. Dos outros eu nunca mais ouvi falar, exceto é claro por minha antiga amiga Marcella que retornaria junto da mãe para a Toscana... Por fim, tudo ocorreu por causa da influência de Annabelle, a prole de Giadero, que havia me levado sem que eu pudesse perceber para a humanidade. E assim, sem o bando o Sabá de Milão caiu após alguns anos de batalhas intensas e eu, infelizmente, estava a travar as minhas próprias.
Me levantando outra vez, retornava agora ao lado de Maya e olhava minhas próprias mãos.
-Eu não se se agi da maneira correta. Mas eu fiz exatamente o que o meu coração e meu espírito diziam para fazer, eu sei que causei mortes que poderiam ter sido evitadas e provavelmente contribuí para que as forças rivais tomassem a minha própria casa. Mas me diga, será que eu poderia me considerar um homem se eu tivesse agido contra minha própria família? Qual honra é a mais sagrada a ser preservada? Por Deus, o quão terrível não seria ver uma mãe ceifar a vida da própria filha em combate?! O peso disso nunca sairá de meus ombros... Porém, nada disso se compara a dor seguinte, o desespero de perdido dentro das minhas dúvidas e incertezas, após a queda de Milão e do meu bando, minha família! Eu recorri desesperado aquela que poderia me dar respostas, minha Senhora, minha Lucretia. Diante dela, eu abri meu coração, expus todas as mudanças pelas quais eu passava e a reação dela...
Outra pausa era feita, meus olhos agora buscavam o teto da Igreja enquanto algumas lágrimas ameaçavam cair. Suavemente, com as mãos eu as impedia e sorria para a figura de Kaya que ainda me observava atentamente.
-Minha Senhora me expulsou, renegou-me e nossa briga foi terrível. Meu coração estava em migalhas, sem nenhuma família... Porque eu havia feito tudo aquilo? A dor era destrutiva e eu considerei caminhar no nascer do sol. Juro. Porém, eu me recordei de que havia aqui, na América, uma sobrinha de Lucretia e foi exatamente para cá que eu vim. Em maio de 1888 eu cheguei a Nova Orleans pela primeira vez e por aqui fiquei por dois anos, vivendo junto de Izabel, sendo lecionado nas tradições da família Giovanni e encontrando respostas importantíssimas para minha própria existência. E no fim, deixei meus sinceros agradecimentos a minha nova e eterna família para reunir forças e retornar a Europa, em busca de Lucretia, determinado a salvá-la das trevas das quais ela sozinha não conseguia sair. A viagem foi longa e eu pude descobrir quando cheguei a Milão que ela havia ido a Roma, assim, em 1905 eu finalmente me reuni com Lucretia. As conversas eram difíceis, complexas e difíceis e até que enfim, eu decidi que era chegada a hora de descansar. Muito havia se passado, um amaranto, uma mudança de convicções, uma transformação total de minha própria forma de existir nesse mundo e de conviver com todos ao meu arredor. Determinado a então adormecer, fui à eterna cidade de minha linhagem, a cidade de Veneza. Para minha surpresa, ao chegar na mansão que outrora pertenceu a Franco, eu encontrei a figura de Lucretia a minha espera. A mulher tomou a minha mão e se apresentava mais fraca do que nunca antes eu a havia visto, não era uma fraqueza física, tão pouco emocional, na realidade ela estava exposta e carinhosa. Ainda não pude entender totalmente a situação, mas nós compartilhamos o mesmo caixão, dormindo juntos até o inicio dos anos 2000. Eu então pude acordar e ver a minha Lucretia ainda a dormir, depositei um beijo no corpo gélido da mesma e a olhei por alguns minutos, devo admitir, é uma visão que ainda me entristece e que eu desejo nunca mais ver. Ela precisa encontrar o caminho e eu... Eu farei tudo por ela, absolutamente tudo.
Cerrando meu punho eu me pronunciava com toda a força de meu coração, eram palavras que eu nunca tinha pronunciado e que agora me deixavam a sorrir feliz, porque havia certezas dentro de mim e uma delas é a de que ela voltaria a acordar e quando isto ocorresse, eu estaria pronto para recebe-la e caminhar ao lado dela para um novo destino.
-O resto da história eu acredito que tu saibas, fui diretamente a Milão afim de encontrar um laço perdido a séculos atrás. Para lá encontrar o jovem Marcello Cavalieri, um rapaz no final dos seus vinte anos que carregava a herança de minha família consigo, para transformá-lo em meu vassalo. Posteriormente, direcionei-me a Sicília para junto da Espada local conseguir uma relocação, eu desejava fazer novamente parte de um bando, as notícias sobre o ocorrido aqui então chegaram aos ouvidos do Bispo local e assim as negociações entre as autoridades ocorreu, para que enfim, eu chegasse novamente nesta cidade, no final do ano passado. Inicialmente, pude viver junto de Izabel e meus demais familiares por algumas noites, até Marcello conseguir uma singela casa para nós, o rapaz me parece adorar a ideia de estar nos Estados Unidos da América, especialmente por causa das atividades portuárias locais e tem conseguido ser bem-sucedido nas próprias empreitadas e desejos de conquista. A verdade é que eu pretendo abraça-lo, não nego minha vontade, mas eu jamais faria isso sem antes resolver de uma vez por todas a minha situação com Lucretia.
Respirando agora com mais calma eu relaxava na cadeira, cruzando as pernas e então olhava outra vez na direção de Maya e com um sorriso mais alegre eu a questionava:
-Pronto, este sou eu. Porque agora tu não se apresentas a mim minha cara? Afinal, como podes ver, sou e serei sempre sincero contigo. E não será por causa da Vauderie que ocorrerá no futuro, mas sim porque eu a considero minha Ductus, minha família e líder. Por tanto, me darias esta honra de conhece-la, Senhorita Maya Reinner?!
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